O que Warren Buffet Acha Sobre a Dívida Americana, Imersão Profunda na Dívida dos EUA
IAW #6
Disclaimer Inicial
Esse post vai aparecer na sua caixa um pouco mais tarde do que o previsto devido ao fato de eu ter abandonado o chapéu de escritor no último final de semana para assumir o chapéu de padrinho de casamento não oficial, So I don’t care, completely worth it. É sempre uma boa ocasião para colocar as ideias no lugar.
Eu tenho lido vários assuntos que eu gostaria de trazer com mais profundidade aqui, e espero ter tempo no futuro, mas um tem ganhado especial destaque no debate público e será o foco da discussão a seguir, a dívida americana.
O que Warren Buffet Acha Sobre a Dívida Americana
No início do mês, aconteceu a reunião anual dos acionistas da Berkshire Hathaway, onde tivemos a oportunidade de assistir o Warren Buffet falar sobre temas variados em resposta aos acionistas durante mais de 4 horas. É o Super Bowl do value investing, e eu vou ainda falar sobre isso algumas vezes.
Uma das perguntas dos acionistas foi sobre a dívida americana, e eu achei muito oportuno, já que o assunto tem sido muito debatido ultimamente, dado o nível de déficit fiscal dos EUA. Segue a transcrição da interação:
Acionista: Você acha que em algum momento o mercado mundial não será mais capaz de absorver toda a dívida dos EUA que está sendo oferecida?
WB: Bem, eu diria que a resposta, claro, eu não sei, mas minha melhor especulação é que a dívida dos EUA será aceitável por um tempo muito longo porque não há muita alternativa. Mas não será pela quantidade.
A dívida nacional não era nada de que se falar por muito, muito tempo.
Não será pela quantidade. Será se, de alguma forma, a inflação se tornar tão frouxa de uma maneira que realmente ameaçasse toda a situação econômica mundial. E realmente não há alternativa ao dólar como moeda de reserva. E há muitas pessoas que fazem muitos discursos sobre isso, mas essa é realmente a resposta. E Paul Volcker se preocupou com isso antes de 1980, mas ele recebeu ameaças de morte.
E eu tive um pequeno contato com ele naquela época.
Ele era um sujeito incrível que, de fato, decidiu que tinha que agir ou o sistema financeiro realmente desmoronaria de uma forma que ele não poderia prever. E ele fez isso e teve pessoas ameaçando sua vida e fazendo todos os tipos de coisas, mas ele era o homem para aquela crise. Mas não era a quantidade de dívida dos EUA que estava sendo oferecida que ameaçava o sistema naquela época. Era o fato de que a inflação e o valor futuro do dólar, o pensamento de que "dinheiro é lixo" estava criando algo que poderia realmente afetar o futuro do mundo em termos de seu sistema econômico. E Paul Volcker enfrentou isso e ele era, ele poderia ser.
E se você não leu um ou dois livros sobre ele ou o último que ele escreveu, você realmente deveria dar uma olhada.
Mas eu não me preocupo com a quantidade, eu me preocupo com o déficit fiscal, mas eu não sou muito preocupado por natureza, quero dizer, eu penso nisso, mas não fico me remoendo com isso. Mas eu não posso deixar de pensar nisso e, temos uma grande atenção. É interessante, eu acho que a mídia entra nisso e foca no Fed e eles, você sabe, eles adoram porque as coisas estão sempre acontecendo e os economistas estão sempre dizendo o que vai acontecer com o Fed e tudo mais. Mas o déficit fiscal é o que deveria ser focado. E Jay Powell não é apenas um grande ser humano, mas ele é, ele é um homem muito, muito sábio, mas ele não controla a política fiscal.
E de vez em quando ele envia um tipo de súplica disfarçada para que, por favor, prestem atenção nisso porque é aí que estará o problema se tivermos um.
Nota: Algum tempo atrás, eu li o memoir do Paul Volcker (Keeping at it: the quest for sound money and good government), e recomendo demais. Vemos a sua história pessoal se misturar com as crises inflacionárias que marcaram o século XX, e como a governança dos bancos centrais foi criada nesse ambiente, com grande influência do Paul Volcker, que dedicou a vida ao serviço público.
Imersão Profunda na Dívida dos EUA
Houve muito barulho no ano passado porque a Fitch, agência que avalia a qualidade dos instrumentos de dívida, reduziu a nota da dívida dos EUA, o que significa que diminuiu a sua confiança no país como bom pagador aos seus credores, que, no fim do dia, são o povo americano e todas as instituições e países do mundo que negociam os títulos de dívida americano.
Pode parecer bobagem, mas a verdade é que o déficit dos EUA atingiu em Março 6% do PIB, bem maior do que a média histórica. As receitas de impostos dos EUA no mesmo período cobriam apenas 73% da despesa. Ao mesmo tempo, a despesa com a taxa de juros em % do PIB chegou à máxima de 25 anos. E, a expectativa é de que, não importa o próximo presidente dos EUA, essa trajetória deve continuar.
O estoque de dívida dos Estados Unidos, que é basicamente o acúmulo de todos os déficits da sua história, é aproximadamente 100% do PIB, o que não é necessariamente preocupante. É mais ou menos onde estão o Reino Unido e a França, e menos do que o Japão e a Itália. O Brasil está em aproximadamente 75% do PIB, e reflete um nível de credibilidade menor associado aos países em desenvolvimento.
Mas, mais preocupante do que o estoque de dívida, é a velocidade com que ele tem aumentado nos EUA, ou seja, a dimensão dos déficits, que, no ano passado atingiu quase 9%. Em comparação, a média da Zona do Euro foi 3,5%. E, estamos falando de um ano em que o desemprego estava nas mínimas históricas e o PIB cresceu mais do que 3%. Ou seja, não houve uma necessidade extraordinária.
Uma parte desse ritmo acelerado tem a ver com uma trajetória longa de diminuição paulatina da receita por via dos impostos, o que limita o orçamento. Outra parte significativa tem a ver com a política industrial que tem sido implementada nos EUA para incentivar setores críticos com o Inflation Reduction Act, por exemplo, que eu já falei algumas vezes.
O estoque de dívida não é tão importante porque, no limite, um país pode “rolar” sua dívida pra sempre, ou seja, se refinanciar, mas o serviço da dívida é importante, porque, para manter a capacidade de se refinanciar, é preciso pagar os juros e despesas associadas. O orçamento fica cada vez mais difícil de gerir quanto mais o serviço da dívida em proporção do PIB aumenta.
Os países costumam se financiar através da emissão de títulos públicos. Quando o país passa por uma diminuição de credibilidade, o que acontece é que os credores exigem um maior retorno para o financiamento - taxas de juros mais altas, e mais serviço de dívida.
Em 2022 o Reino Unido passou por uma forte crise política originada em um problema de dívida pública, que culminou com a renúncia da então primeira ministra Liz Truss. Ela anunciou uma mudança orçamental heterodoxa que reduziria drasticamente os impostos no país, sob a justificativa de gerar um aquecimento na economia inglesa.
O anúncio do orçamento causou pânico nos mercados, que previram uma deterioração severa das contas públicas, o que dificultaria o financiamento, impulsionando as taxas de juros, e, afinal, intensificaria o problema grave inflacionário pelo qual o Reino Unido passava.
Apesar de se encontrarem em posições diferentes, o temor que ronda os americanos hoje é o de ter o seu momento Liz Truss diante de algum acontecimento político ruidoso, e que o impacto nos mercados globais seja grande demais.
O Congressional Budget Office estima que um ajuste fiscal da magnitude de 2-5% do PIB precisa ser feito para que os EUA voltem a uma trajetória saudável da dívida, mas, outra vez, não parece haver, no futuro próximo, vontade política, ou capacidade política para levar à frente essa agenda.