Recentemente, o podcast Acquired lançou um episódio documentário sobre a história da Microsoft de 1975 a 1995, e eu fiquei completamente impressionado. É claro que todos reconhecemos Bill Gates como um empreendedor de sucesso e o homem mais rico do mundo durante tantos anos. É claro que reconhecemos os produtos microsoft ao nosso redor, como o Excel e o Power Point, e o próprio Windows. Mas, adentrar a história da Microsoft revela também a história do computador e da indústria de software, com lições valiosas ao longo da jornada.
Gates antes da Microsoft
Bill Gates tinha simplesmente o quadro perfeito para se tornar quem se tornou, ele estava no lugar certo e na hora certa. Sua mãe, Mary Gates, era uma das mulheres mais poderosas da América corporativa, participando nos concelhos de várias grandes corporações, entre empresas industriais, bancos e universidades, uma lenda. Seu pai, William Gates era um renomado advogado corporativo.
Bill tinha durante a sua infância e adolescência jantares em casa com senadores, governadores e líderes de grandes empresas, o que parece ter criado em si desde cedo um desejo de estar entre os grandes gestores do mundo. Ele era uma criança altamente competitiva e brilhante, o melhor aluno de matemática de todo o estado de Washington.
Paul Allen uma vez disse: “Você conseguiria dizer três coisas sobre Bill Gates rapidamente: ele era muito inteligente, ele era muito competitivo, e ele queria mostrar o quão inteligente ele era, e ele era muito persistente.”
A escola em que Bill Gates e Paul Allen estudavam, Lakeside, tinha um computador alugado em uma época em que os computadores era uma criatura mítica. A escola possuía um grupo de programação - nessa época, qualquer pessoa que utilizava um computador era um programador porque não havia aplicativos ou coisas do tipo, então todos escreviam seus próprios códigos. E, o Clube de Programação de Lakeside, que contava com a participação de Bill e Paul, acabou por ser recrutado por uma empresa, C-Cubed, para identificar bugs nos seus programas. Steve Russell, criador do primeiro video game digital, Spacewar, era o fundador da C-Cubed, e foi mentor de Bill e Paul naquele início.
Depois da C-Cubed, o Clube dos Programadores de Lakeside foi recrutado por outra empresa para desenvolver um software de payroll, e, ao invés de apenas receber um valor fixo pelo serviço, eles fizeram um acordo para receber royalties na distribuição do software. Bill Gates negociou o acordo com a ajuda do seu pai. Isso tudo para dizer que, aos 16 anos, Bill tinha sido exposto a ambientes e experiências muito diversas, e ele definitivamente não era uma criança qualquer.
Depois de sair da escola, Bill foi estudar matemática em Harvard, onde ele conheceu Steve Ballmer, que depois viria a juntar-se a Bill e Paul na Microsoft. Steve era muito mais sociável, mas tão analítico quanto os demais sócios. Ele foi a pessoas que venceu Bill na competição nacional anual de matemática para universitários.
Nessa altura, já havia alguma consciência sobre os efeitos da Lei de Moore, que prevê o aumenta da capacidade dos chips de processamento em 100% a cada dois anos pelo mesmo custo. Enquanto os computadores no início da década de 1970 eram monstros gigantes que chegavam a ocupar salas inteiras, Bill e Paul tinham a visão de que a evolução dos processadores faria com que rapidamente os computadores se transformassem e tivessem performance para que se pudesse também escrever melhores programas e alargar o mercado potencial dos computadores.
Segundo Bill, esse tipo de crescimento da capacidade dos microprocessadores de acordo com a Lei de Moore, exponencial, é muito difícil de se observar na vida real de forma tão consistente. Se isso fosse verdade, seria completamente transformador em usos que eles nem conseguiam prever. Mas, era nesse mercado que ele queria estar. Então, enquanto eles continuavam estudando e levando vidas normais, eles esperavam até que a próxima evolução do computador lhes permitisse concretizar sua visão.
Finalmente, em 1975, a empresa MITS lançou o primeiro computador pessoal, o Altair 8800, com um grande alarde na revista Popular Electronics. O Altair não tinha nada a ver com o que conhecemos hoje. Não tinha teclado ou monitor, apenas um conjunto de luzes e fios, e permitia fazer alguns cálculos e testar equipamentos, mas era realmente barato (aproximadamente 400 dólares, quando os computadores da época custavam por volta de 100 000 dólares).
Na altura, os computadores eram acompanhados de manuais que ensinavam como programar e performar tarefas usuais. A ideia de Gates e Allen era escrever um intérprete para que as pessoas pudessem ter um uso facilitado dessas máquinas que certamente seriam uma parte da vida de todos. O intérprete executa instruções que estão escritas em código sem a necessidade de as compilar em linguagem de máquina (0’s e 1’s). Gates e Allen julgavam que se as pessoas tivessem intérpretes, as vendas dos computadores seriam impulsionadas pelos entusiastas e tornaria o negócio viável. O Altair Basic foi o intérprete da Microsoft e o primeiro produto.
Gates e Allen montaram uma sociedade em que Gates tinha ~60% e Paul ~40%, e fecharam um acordo com a MITS, em que a MITS seria o único canal de vendas do intérprete. Embora fosse um óbvio impulso inicial, já que a MITS estava vendendo milhares de unidades por mês, eles depois descobririam que a empresa não tinha qualquer incentivo para vender o intérprete aos competidores.
Paul Allen chegou a trabalhar para a MITS por um tempo, mas depois saiu para se dedicar integralmente à Microsoft (Micro-Soft na altura), em 1976. Na mesma época, Bill largou Harvard e foi para Albuquerque também para se dedicar integralmente.
Os primeiros anos
Em 1977, outros fortes competidores do computador pessoal foram lançados, pré-montados, em oposição ao Altair, vendido em módulos. Muitas empresas queriam testar o intérprete da Microsoft por diferentes razões, mas a MITS não vendia porque poderia arruinar o seu negócio.
Um ponto importante a se notar é que o pai do Bill Gates era um dos melhores advogados corporativos dos EUA. Eles tinham incluído uma cláusula no contrato com a MITS na qual a empresa era obrigada a empenhar o “melhor esforço” para vender o intérprete. Uma vez que eles conseguiram provar que eles não o faziam, a Microsoft os levou a uma corte de arbitragem, e ganhou o caso no fim de 1977. Eles imediatamente foram aos outros fabricantes e ofereceram parcerias nas licenças. O caixa estava apertado na época. Havia problemas de pirataria sobre o Basic, e a MITS praticamente não vendia para outros fabricantes.
O que eles perceberam foi que o modelo de negócios estava errado. Eles não deveriam ir ao cliente final e perguntar “você gostaria de comprar adicionalmente essa coisa legal?”. Eles deveriam ir diretamente ao fabricante e dizer “Nos dê royalties na venda daquilo que faz o seu computador ser utilizável”. Pode parecer óbvio hoje, mas a Microsoft estava criando o padrão da indústria.
Uma história engraçada é que, na mesma época, Steve Wozniak da Apple tinha um intérprete que conseguia fazer quase o mesmo que o da Microsoft, mas não suportava números decimais, apenas inteiros. Steve Jobs disse “você não consegue fazer igual?”. No final, Wozniak não conseguiu e eles tiveram que usar o da Microsoft.
É importante notar que Bill tinha 21 anos na época! Ele já era a pessoa mais importante dessa indústria recém-nascida, lidando com gigantes em todos os lugares. Ele comprou um Porsche no final de 1977 e foi multado 5 vezes no mesmo dia, algumas vezes pelo mesmo policial. Ele também ficou conhecido no meio dos donos de barco em Albuquerque.
Em 1978, a Microsoft decidiu se tornar global, com poucos anos de vida. Kazuhiki Nishi comprou um Basic e quis distribuir o intérprete para todos os fabricantes de computadores no Japão. No ano seguinte, metade das receitas da Microsoft vinham do Japão. A Microsoft já era uma empresa internacional no ano 3.
No ano seguinte, eles perceberam que Albuquerque não ia ser suficiente, principalmente por causa do recrutamento. Eles decidiram, então voltar para Seattle, e a razão é bem interessante. Primeiro, porque sentiam falta de casa. Segundo, porque eles perceberam que era impossível manter um segredo no Silicon Valley e as pessoas estão sempre pulando de uma empresa para a outra. Eles queriam manter as coisas mais low profile e que as pessoas ficassem na Microsoft. Então, em 1980, eles escolheram Seattle, onde permaneceram até os dias atuais.
A parceria com a IBM
No mesmo ano, a IBM estava tentando criar um computador pessoal para entrar nesse mercado, que agora estava claro que ia ser uma grande parte da vida de todos. A Intel já tinha lançado o novo microprocessador com capacidade dobrada, tornando possível muito mais usos com aplicações e software. A IBM estava tão comprometida em fazer algo completamente diferente do que já faziam que eles começaram um projeto secreto em Boca Raton, Flórida, para desenvolver e lançar o seu computador pessoal em um ano.
Eles queriam que fosse separado de todos que já faziam alguma coisa na IBM. Para criar o intérprete que seria vendido com o seu computador, eles escolheram a Microsoft. A IBM era toda a indústria de computadores na época, tudo que existia. E, a Microsoft era 30 jovens que acabaram de sair de Albuquerque. Foi também nesse contexto que Steve Ballmer foi chamado para se juntar à Microsoft.
É aqui que entra uma história engraçada: a IBM queria lançar seu computador pessoal com um sistema operacional integrado. Eles pediram que Bill fosse o fornecedor. A Microsoft não tinha esse produto até então. Então, eles indicaram Gary Kildall da Digital Research, que já tinha um e podia ajudar. Por algum motivo misterioso, Gary nunca apareceu para a reunião com a IBM e perdeu o negócio.
A IBM pediu outra vez que Bill o fizesse, que agora procurava alguém que pudesse prover um sistema e achou Tim Paterson, da Seattle Computer Products, que tinha uma espécie de cópia do sistema da Digital Research que funcionava. Bill comprou uma licença do sistema por 75 mil dólares, abrangendo todos os direitos de uso e distribuição, e fechou o acordo com a IBM. O mais barato que alguém já pagou para se tornar bilionário(!).
Claro que a Microsoft adicionou muito trabalho no sistema antes do lançamento. Eles contrataram Tim para se juntar ao time, e, no final lançaram o sistema como MS-DOS, seu primeiro sistema operacional e o começo do que se tornaria o seu principal negócio. O Windows viria a usar a mesma base de código!
Verdade seja dita, eles não fizeram muito dinheiro no início. Eles fizeram um acordo com a IBM para vender o sistema operacional, o intérprete e alguns serviços, tudo de uma vez, por ~400 mil dólares. A IBM não pagaria licenças independente de quantos computadores vendesse. Até parece que a Microsoft não aprendeu a lição.
Aparentemente, o que Bill pensava era: todo mundo vai ter um computador IBM, com um sistema Microsoft, e nós vamos crescer muito com isso, e nos tornar conhecidos. Mas, a sacada foi que a Microsoft reteve os direitos de uso do sistema. Então, todos que quisessem ter o mesmo que a IBM teria que vir até a Microsoft.
Nos primeiros meses após o lançamento, a IBM vendeu por volta de 30 mil exemplares, e meio milhão no ano seguinte. Foi um sucesso gigante. Imediatamente, outros fabricantes como a Compaq começaram a copiar o computador da IBM e a vender mais barato. Mas, agora, quando foram à Microsoft para obter o sistema operacional, eles tinham que pagar uma licença por cada máquina, e eles venderiam com o sistema integrado. A Microsoft usou a IBM para capturar atenção da indústria para o seu sistema, mas ganhou dinheiro com todos os outros fabricantes.
Em 1982, a receita da Microsoft foi 25 milhões de dólares! em 1984, foi 98 milhões de dólares, tudo nas costas dos fabricantes que clonavam o hardware da IBM!!
Você pode pensar que, para isso acontecer, os fabricantes estavam ganhando muito mais dinheiro, o que é verdade. Mas, enquanto os fabricantes tinham altos custos para realmente produzir os computadores, a Microsoft tinha 100% de margem de software na venda. Assim nasce uma lenda para toda a indústria de software. E ainda, conforme eles cresciam, ganhavam mais poder de preço porque todos no ecossistema queriam usar o sistema operacional Microsoft, e os custos continuavam congelados. É inacreditável.
Wrap up
Desde aquelas primeiras vitórias, a Microsoft se tornou uma máquina gigante de assegurar vantagem tecnológica. A IBM quis construir outro sistema operacional do zero, em parceria com a Microsoft, mas com exclusividade de uso, o que significa centralizar outra vez o mundo dos computadores na IBM.
Entretanto, enquanto trabalhavam no projeto da IBM, a Microsoft também estava desenvolvendo o Windows, tentando construir apps como o Excel, o Word e o Power Point, competindo com Steve Jobs em múltiplas áreas, tudo para se manter relevante no mundo dos computadores quando a próxima grande tecnologia aparecesse. Foi uma década cheia de desafios até 95. Tudo isso você pode descobrir no Podcast documentário da Acquired: